Como mencionei no meu texto de apresentação, gosto de escrever sobre os sentimentos de mãe; aqueles que me surpreendem todos os dias e me fazem – ora explodir de felicidade, ora me angustiar e ficar sem dormir. Há vários dias, no entanto, venho pensando sobre um outro tipo de sentimento de mãe. Aquele que não está, necessariamente, atrelado aos filhos, mas sim a si mesma, seu papel e importância no mundo.
Há seis meses me mudei de país com toda família para acompanhar os novos rumos profissionais do meu marido. Há seis meses tenho sido desafiada pelas inúmeras diferenças que me cercam neste novo lugar. E há seis meses tenho tido oportunidade de conhecer novas mulheres-mães (com a sorte de já me sentir confortável para chamar algumas delas de amigas).
Assim como eu, algumas delas também vieram de outros países; outras, nasceram e cresceram aqui. Suas histórias de vida são as mais variadas possíveis, assim como sua educação e passado profissional. A diversidade é imensa! Sou amiga de uma comissária de bordo filipina, uma gerente de RH israelense, uma veterinária brasileira, uma confeiteira argentina, uma cineasta russa, uma doula irlandesa e até uma atriz famosa e admiradíssima aí no Brasil!
Apesar das inúmeras diferenças culturais, sinto uma convergência impressionante nos sentimentos em relação à maternidade, seus desafios diários e as difíceis escolhas que esta impõe para cada uma delas. E confesso que tem sido doloroso constatar como essas mulheres inteligentes, preparadas, esforçadas e extremamente dedicadas são discriminadamente convocadas a justificar suas “escolhas”, convivendo diariamente com uma sensação de esvaziamento e culpa.
“O que você faz o dia inteiro? Eu odeio quando meu marido me pergunta isso!”
Essa foi uma das poucas coisas que consegui ouvir dessa mulher chinesa, mãe de três filhos pequenos, nos poucos instantes que ela teve entre deixar sua filhinha caçula na festa de aniversário e sair apressada para buscar os outros dois filhos na escola do outro lado da cidade.
Essa fala me chamou atenção porque, apesar de corriqueira, ela evidencia claramente a falta de prestígio do papel de mãe na nossa sociedade ultimamente. Dentro e fora de casa. Pois essa frase não denigre somente aquelas que, por alguma razão, não se dedicam mais às suas atividades profissionais de outrora, como a mãe chinesa que eu citei acima. Ela é igualmente injusta com aquelas que trabalham fora e que estão exaustas e extremamente sobrecarregas em sua dupla jornada não reconhecida. Afinal de contas, segundo essa lógica, elas não fariam mais NADA além de trabalhar fora.
Agora eu me pergunto: como é que tudo que se relaciona com o cuidado com a casa e com um filho (e nós todas sabemos que é muita coisa) pode ser resumido a NADA?
Me parece que existe uma contradição velada extremamente danosa em relação ao papel de mãe na atualidade: de um lado ele é extremamente valorizado nos consultórios de especialistas, nos livros de psicologia e nos documentários da televisão; de outro, no entanto, impõe às mulheres uma realidade de pouco reconhecimento, muitas restrições, muito trabalho, sobrecarga e desamparo. Uma realidade que não oferece, de fato, opções compatíveis com a dita importância do papel que exercem e acabam empurrando-as para escolhas extremas. Uma realidade que as obriga a trabalhar “como se não fossem mães” ou a não trabalhar “porque o trabalho não combina com os imprevistos de uma mãe”.
Ora, mas que difícil fica tudo então, não é mesmo?
É importante deixar claro que a minha intenção aqui não é discutir se as mulheres que são mães devem ou não trabalhar fora de casa, muito menos refletir sobre qual dessas situações seria a ideal. Não acredito na existência de um jeito único bom para todas, mas sim nas soluções que cada uma encontra para si e sua família. Gostaria apenas de chamar a atenção para o fato de que as mulheres estão sofrendo diante de um ideal pouco sustentável na vida real, em uma sociedade que oferece opções escassas e limitadoras, independente do caminho que elas desejam seguir.
Queridas mulheres-mães que eu conheci há apenas seis meses e todas as outras que me lêem por aqui. Eu não tenho nada de muito importante ou revelador para falar para vocês. Nem tampouco palavras que capazes de tirar de nós essa sensação de menor valia pelas atividades que realizamos ou deixamos de realizar. Desde que me tornei mãe, venho me perguntando qual o meu valor para o mundo, para a comunidade ao meu redor; o que eu faço com meus diplomas, com meus talentos, meus sonhos, minhas ambições ou com a falta delas; como eu faço para contemplar tudo que sou sem deixar de oferecer atenção, carinho e cuidado aos meus filhos. Como consigo ser eu mesma, apesar de mãe. Como não ser empurrada para opções extremas, ambas desajustadas e pouco conciliadoras. Como não me sentir inferiorizada por apenas querer exercer meu papel de mãe com alguma qualidade, trabalhando fora ou não.
Ainda que sem respostas, escrevo. Escrevo para me sentir menos sozinha. Escrevo porque acho que precisamos falar mais sobre isso. Escrevo para não nos sentirmos únicas mas, de alguma forma, unidas. Escrevo porque é uma forma desse sentimento falar e aparecer. Escrevo porque acredito que, um dia, as coisas podem mudar…
* Isabel Coutinho é psicóloga, mãe de 2 filhos e autora do livro MÃE EM CONSTRUÇÃO – reflexões, angústias, desafios (Dash Editora), à venda nas principais livrarias e na loja Somos Mães de Primeira Viagem.
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