Adoção: qual é o momento certo de contar?

Adotar uma criança pode ser um ato muito grandioso, de amor e entrega e, para muitos, a realização de um sonho e, para os pequenos, a chance de uma vida melhor, de um lar e de ter uma família. O processo é burocrático, rigoroso e muitas vezes lento. Uma pessoa ou casal que resolve adotar passa, assim como com um filho biológico, por um desafio muito grande em cada fase da criança.

 

A adoção é um ato regido pela Lei Federal nº 8.069 de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que lhe garante caráter pleno, irrevogável e irretratável para menores de 18 anos ou maiores, quando a convivência entre ao jovem e a família tenha se iniciado antes do adotando completar a maioridade.

 

Uma das maiores dúvidas dos pais é quando contar para a criança que ela foi adotada. A psicóloga Sonia Martinelli nos concedeu uma entrevista exclusiva sobre o momento adequado, maneiras de abordar o assunto e como lidar com uma possível reação negativa da criança.

 
SMPV – Qual é a hora certa de contar sobre a adoção? Há uma idade certa?

Sônia – Como em muitas outras situações, pode ser bastante desconfortável ou mesmo temível dizer à criança adotada a verdade sobre sua origem. Um ato como esse é atravessado por muitas fantasias, inclusive a de que o afeto entre pais e filhos pode ser destruído,  caso a verdade histórica da criança seja revelada. Esse temor pode levar muitos pais adotivos a adiar por anos e anos a conversa familiar, em que esse assunto importante seria abordado. Disso decorrem muitas das dificuldades nas relações interpessoais, muitos desgastes e estresses que podem aparecer mais pela manutenção dos segredos, do que pela revelação da verdade. Como afirma Schettini, a falta de confiança nas relações pode levar a agressões e injustiças, já que a convivência torna-se uma farsa, bem como decretamos morte e destruição quando as coisas ligadas à vida são mantidas em segredo. Tudo o que não é dito adquire, ao longo do tempo, mais poder para ferir e destruir, do que as verdades que, apesar de dolorosas, são reveladas com cuidado, afeto.
Não existe consenso na psicologia com relação ao “momento certo” de contar a verdade sobre a adoção. Porém, como foi exposto, muitos teóricos concordam que todo indivíduo tem o direito, e muitas vezes a necessidade, de conhecer sua história de vida. Assim, recomenda-se que o assunto seja tratado da forma mais natural e o mais cedo possível. Incluem-se aqui as situações ligadas não apenas à adoção, mas também àquelas da doação de gametas.

 
Como contar? 

Muitas vezes, os pais adotivos nem “lembram” mais que seu filho é adotado, e com o passar do tempo começam a se perguntar se ainda devem ou não contar ao filho a verdade sobre sua origem, ou seja, questionam se devem contar, bem como porque contar, como contar e quando!
Para não supervalorizar a adoção e fazer dela uma ameaça sombria sempre à espreita, recomenda-se que o assunto seja ventilado natural e espontaneamente pelos pais, ou pela família preexistente à adoção, desde a chegada do filho adotivo, a fim de que esse assunto não vire um “tabu”, um segredo, supostamente com a finalidade de proteger a criança. Em torno dos 3 anos de idade, a maioria das crianças manifesta mais curiosidade em relação a si mesma e ao ambiente. Esse parece ser um bom momento para se falar de forma mais aberta e clara da adoção e do processo, para atender às necessidades infantis. Naturalmente, as perguntas se expandem, aprofundam e se amplificam. Por isso, convém que as respostas sejam objetivas e proporcionais às dúvidas das crianças, mas com o cuidado da sinceridade e sem se estender em demasia nos detalhes de uma única vez.
Os pais com dificuldades para resistir à tentação de omitir do filho o fato de ser adotivo precisam lembrar que todo ser humano, inclusive a criança, tem o direito de conhecer sua origem e ir atrás das  informações a respeito, na medida do possível. Essa é uma necessidade existencial do ser humano. Contar pessoalmente a história da criança evita que ela venha a saber de forma distorcida e equivocada. Importa que a revelação seja feita com amor, salientando-se que ela foi escolhida, ou seja, que dentre todas as crianças os pais optaram por ela, que eles foram guiados em sua escolha pelo sentimento amoroso que ela despertou neles. Que, talvez, eles preferissem a condição biológica, mas algo maior e sábio, determinou que fosse assim.
A criança vai perguntar diversas vezes como sua chegada aconteceu, apesar de ter sido informada, esclarecida. É importante que, em todas as vezes o conteúdo da reposta seja mantido com coerência e corresponda à máxima verdade conhecida pelos pais, evitando-se a exposição de informações e aspectos negativos da família de origem, para que a criança não se sinta humilhada, depreciada, desvalorizada. Pode-se até dizer que talvez os pais biológicos se, pudessem, ficariam com ela, mas, por algum motivo desconhecido, não conseguiram. Mas, que na atual família, ela é amada e bem-vinda!
É importante lembrar que esses cuidados visam à proteção tanto da criança como dos pais adotivos, pois todos temem as angústias da rejeição e do abandono!

    
O que fazer caso a criança não reaja bem?

Notadamente quando o adotado é o primeiro filho do casal, os pais costumam sentir mais intensamente a responsabilidade de ter essa criança com eles, o que pode gerar dúvidas quanto ao erro ou acerto de tê-la adotado, pensam se vão se sair bem nesta função, se são suficientemente bons, se estão preparados. Essas dúvidas e inseguranças ocorrem da mesma maneira em situações biologicamente determinadas. Mas esse é também um período em que a vinculação entre pais e criança se estreita, onde o medo do abandono existe nos dois lados. Então, qualquer gesto da criança de buscar auxílio dos pais, quando atendido, adquire um caráter de acolhimento, aceitação e pertencimento, o que contribui para que suas dúvidas sejam dissipadas e, com isso, a criança os reconhece como pais e os cativa. Os pais pensam “Nem lembramos que ela é adotada”. Para a criança o contato com os pais adotivos torna-os as pessoas centrais de sua vida.

 
Quais as possíveis consequências da revelação tardia ou por terceiros?

Podem-se evitar ou reduzir as reações de insegurança, desconfiança e ansiedade geradas pela revelação tardia ou por terceiros, se em vez de se dedicar à manutenção do segredo ou à dissimulação, os pais oferecem espaços seguros e tranquilos para o diálogo, incentivo à verdade e confiança nas afeições. Quando há conflitos maiores e os pais se sentirem inseguros ou sem as condições suficientes para lidar com isso, é recomendável buscar a ajuda de um profissional para receberem apoio e informações.

Somos Mãeshttps://somosmaes.com.br/
A Somos Mães é uma ONG e uma empresa do setor 2,5 que nasceu em agosto de 2014. Com o objetivo de informar e acolher, produz conteúdo que impacta diariamente mais de 300 mil pessoas. Tem dois projetos incentivados pela Lei Rouanet.

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