O dia estava cinza e chuvoso. Apesar do calendário já acusar o início oficial da primavera, a chuva e o vento gelado lembravam um dia de inverno e nem as flores que a prefeitura insistiu em plantar nos canteiros por toda cidade conseguiam esquentar, com suas cores, a sensação gélida de andar pelas ruas.
Eram apenas quatro horas da tarde, eu estava na sala de espera da ginástica da minha filha e já me sentia exausta. Naquele dia eu já tinha cozinhado, colocado as roupas para lavar / secar na máquina, arrumado camas, levado as crianças na escola, ido ao supermercado, organizado e limpado a casa e feito uma série de outras atividades típicas de uma mãe que vive no exterior e tem muito pouca ajuda com a casa e com os filhos.
Me sentia sem energia, tristonha, sem valor, com aquela vontade inexplicável de chorar e ficar debaixo de um cobertor, devidamente acompanhada por uma barra de chocolate e um filme água com açúcar. Assim como o dia lá fora, meu humor estava cinza. Revisitei mentalmente as razões que poderiam ser responsáveis por esse jeitão mais introspectivo. Afastei a possibilidade de TPM (causa de grande parte dos meus dias de melancolia) e, revisando meus últimos dias, cheguei a conclusão de que estava, simplesmente, muito cansada. Cansada de cuidar, cozinhar, arrumar, levar e buscar, acordar cedo mesmo no fim de semana, dar banho, escovar dente, dobrar roupa, falar “não” vinte e cinco milhões de vezes, cobrar lição, recolher brinquedos espalhados pela casa e tantas coisas mais, todos os dias, sem pausa nem descanso.
Para tentar espairecer, abri uma revista num cantinho apertado que consegui encontrar na sala de espera lotada da academia. Ainda tinha pela frente meia hora até a aula terminar e eu partir apressada para buscar meu filho na escola e levá-lo a natação.
Nas páginas da revista, uma após a outra, comecei a ver fotos lindas de celebridades em propagandas de marcas famosas: Julia Roberts (para mim, a mais linda) desfilava um vestido branco deslumbrante para anunciar uma nova marca de perfume; a protagonista da trilogia Jogos Vorazes (o nome dela não me vem a cabeça) vinha em seguida, despojadamente linda em seu outfit Dior (como eu gostaria de parecer tão linda usando apenas uma camiseta e calças jeans!). Na página seguinte, Lady Gaga não ficava para trás, com seu par de sobrancelhas impecáveis e as lindas jóias que ela estava anunciando. Finalmente, quando virei a página, senti um certo alívio ao ver uma foto de uma senhora para além de seus 70 anos (Ufa! Ao menos uma mulher um pouco menos perfeita!). Mas, quando li sobre ela e seus 50 anos dedicados à conservação dos oceanos, voltei a me sentir ainda mais cansada.
Fechei a revista tendo ido pouco além da página cinco. Essa sequência de mulheres bonitas e perfeitas aumentou ainda mais meu desânimo, me lembrando de quanto estou distante desse mundo cheio de glamour e beleza presente ali naquelas páginas e que, antes da maternidade, me era tão natural e familiar. Me senti feia e descuidada em minhas roupas de ginástica e minhas unhas sem fazer. Desejei ardentemente estar mais magra, ter mais disposição para me arrumar e me maquiar todos os dias, ter mais tempo para fazer exercícios e ficar com um corpo bonito. E desejei também ser alguém memorável – como a moça que cuidou dos oceanos – alguém que durante a vida fez um pouco mais pela humanidade do que apenas (apenas?) cuidar de sua casa e de sua família (como é meu caso nesse momento).
Mas como isso seria possível? Onde eu arranjaria tempo para tanto? Como não ficar ainda mais exausta me impondo ainda mais obrigações? Ando tão cansada de sempre ser uma mãe exausta em roupas de ginástica! Mas também ando tão cansada de me olhar todos os dias com a horrível sensação de que eu deveria ser diferente, de que nada é suficiente e que eu deveria fazer muito mais! Quando é que conseguirei ficar em paz com aquilo que sou e posso ser nesse momento?
No meio de tantos questionamentos, a aula da minha filha terminou. Tentei afastar tantos pensamentos tumultuados e sorrir para ela, verdadeiramente orgulhosa de seu progresso nas estrelas e piruetas que, de longe e apesar de tudo, pude observar. A tomei pela mão e juntas, seguimos apressadas em direção a escola de meu outro filho.
Na rua, ela parecia imune ao tempo feio e ao meu humor duvidoso e caminhou cantarolando alegremente suas músicas de criança. Respirei aliviada ao constatar que meu ar cansado e minha cabeça pesada e confusa não a tinham contaminado. E seguimos juntas assim, mãe e filha, na chuva, rumo ao resto do nosso dia. A primeira, desejando ardentemente que seu dia gélido, chuvoso, conturbado e cheio de questionamentos se transformasse logo em um dia ensolarado de primavera. A segunda? Bem, não sei ao certo o que ela desejava. Talvez nada de especial. Talvez somente estar ali, caminhando de mãos dadas, em um dia qualquer, com sua mãe de unhas sem fazer, rabo de cavalo e roupas de ginástica.
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Escrevi este texto há alguns dias e pensei que ele poderia ser oportuno para as proximidades do Dia das Mães. Esse dia que é tão exaltado por todos, mas que acaba cobrando das mães uma felicidade, por vezes, irreal e distante da vida diária. Especialmente as mães que, como eu, enfrentam dias assim em que se sentem sobrecarregadas pelos cuidados da casa e dos filhos e particularmente sensíveis ao mundo bonito das revistas, ao mundo produtivo dos escritórios ou do mundo que outrora participavam antes de dar à luz aos seus filhos. Para essas mães (incluindo eu), desejo algo maior do que um Feliz Dia das Mães. Desejo que elas consigam, a cada dia, conviver mais em paz com seu papel de mãe e com as escolhas que fizeram a partir de todas as mudanças que este imprimiu em suas vidas. Que elas possam se sentir menos cansadas em suas atividades diárias e com mais disposição para fazer algo que lhes faça sentir bem: seja dormir, trabalhar fora, fazer ginástica, caminhar no parque, tomar um cafezinho com bolo, escalar uma montanha, sair com as amigas. Que elas não se sintam mal ao ver as celebridades jovens e lindas das propagandas e consigam se olhar no espelho com mais carinho e condescendência, aceitando melhor o que cada uma é ou pode ser. Que possam se achar bonitas em suas roupas confortáveis de ginástica e unhas por fazer. E que possam se arrumar também quando assim o desejarem, não por obrigação. Que elas possam parar de se cobrar tanto e lembrar que o mundo de hoje exige demais das mães (e dos pais e das crianças e de qualquer ser humano sobre a face dessa terra) e que, muitas vezes, é quase impossível lidar com essa pressão sem desanimar. E que nos dias cinzas, possam se dar ao direito de acolher o desânimo e as lágrimas, mesmo aquelas que vêm sem motivo e sem explicação, por pura exaustão, lembrando que todo mundo pode, um dia, não se sentir lá muito bem. Até mesmo uma mãe.
* Isabel Coutinho é psicóloga, mãe de 2 filhos e autora do livro MÃE EM CONSTRUÇÃO – reflexões, angústias, desafios (Dash Editora), à venda na loja Somos Mães de Primeira Viagem. Isabel mora atualmente em Nova Iorque.