Dr. Saul Cypel é considerado um dos maiores especialistas em neurologia infantil de todo o país. É Profº Dr. pela Faculdade de Medicina da USP, membro do Comitê de Especialistas e de Mobilização Social do Ministério da Saúde para o Desenvolvimento Integral da Primeira Infância. É o autor do livro Déficit de Atenção e Hiperatividade e as Funções Executivas, publicado pela Editora Casa Leitura Médica.. E nós tivemos a oportunidade de conversar com ele sobre hiperativade e deficit de atenção.
SMPV: Dr. Cypel, quando os pais devem começar a se preocupar com o comportamento dos filhos?
Acho que a preocupação com o comportamento da criança, a rigor, deve iniciar quando os pais começam a pensar em ter filhos. Depois do pré-natal, a principal preocupação é de como vão lidar com a criança. As questões comportamentais, a observação do comportamento, seja do ponto de vista da normalidade ou das alterações, começa com a vida da criança, não existe um momento específico para isso. Claro que é difícil, em termos de questões comportamentais, ter uma noção do padrão normal. Por exemplo, na questão da hiperatividade, quando a criança tem uma atividade motora mais intensa ou menos intensa? É mais quieta? Qual é o normal disso? É diferente de pensar na febre, você tem um termômetro para medir, já com o comportamento não existe isso, depende da observação dos pais. Portanto, os pais precisam ter uma noção de como se dá o comportamento, como ele se estrutura e funciona. Para os pais terem uma ideia de padrão alterado, precisa ter uma ideia do padrão normal. Como você vai julgar se uma coisa está alterada, se você não sabe o padrão normal? Então é fundamental que os pais se apropriem desse tipo de informação.
SMPV: Onde os pais podem buscar essas informações de maneira confiável?
As pessoas, para julgar, precisam ter uma noção da normalidade. E quem são os profissionais aptos e disponíveis nesses primeiros anos? Boa parte das vezes é o médico pediatra e ele também precisa ter conhecimento do comportamento infantil, que é bem diferente do conhecimento da saúde física. O pediatra precisa conhecer como se dá o desenvolvimento motor, em que época a criança já deve firmar a cabeça, quando deve começar a sentar, andar. Uma criança que com dois anos não está andando, e você sabe que até um ano e meio ela deveria andar, merece atenção. Isso vale para outros comportamentos também. E a informação pediátrica precisa ser muito clara, por exemplo, com relação ao desenvolvimento de linguagem. É muito importante saber quando é que a criança deve começar a falar, como se dá o processo, para você poder julgar esse comportamento e ter uma noção do que é normal, ou do que está saindo da curva. É preciso leitura, é preciso informação, interesse. Alguns pais são mais sensíveis e conseguem perceber por conta própria que alguma coisa tá fora do padrão, por exemplo, “meu filho tem seis anos e acorda de seis a oito vezes na madrugada e alguém sempre tem que atender, pegar no colo”. Eles podem ler e se informar, mas certamente tem noção de que aquilo está fora do padrão. Uma coisa é esse comportamento ser pontual, outra é ser rotineiro. Além disso, se os pais tiverem que lidar sempre com esse tipo de situação, de toda noite acordar oito vezes, vão ficar esgotados. Então, é preciso que os pais de alguma forma não deixem de observar e não deixem de tomar alguma providência quando algum comportamento está chamando atenção. Onde eles vão buscar informação? Com o pediatra, observando as outras crianças, conversando com outras mães, lendo.
SMPV: Quando um pai e uma mãe devem começar a se preocupar com a possibilidade do filho ter deficit de atenção e hiperatividade?
90% dos pais me procuram quando os filhos apresentam problemas comportamentais, não por doenças neurológicas. O período de frequência maior é até os seis, sete anos. Depois também, mas a maioria vem nessa idade mais baixa preocupadas com o comportamento. As que vem com sete, oito anos, estão preocupadas com a escolaridade. Elas vem preocupadas com a escola, sem entender que a escola é só uma fatia daquela criança. Eu digo para eles que a minha preocupação é com a escolaridade também, mas minha preocupação principal é com o filho como pessoa. Lá pelas tantas essa criança vai ter dificuldade de socialização, vai entrar numa brincadeira, a turma toda tem dez anos, ele tem uma estrutura de sete e não vai acompanhar aquele que chutou a bola pro gol porque está olhando para as árvores. A turma vai rejeitar, será o último a ser escolhido nas brincadeiras, porque ele sai do contexto. E vão dizer que é porque ele tem dificuldade de atenção, mas não é verdade. Ele tem dificuldade mesmo é de entrar na brincadeira com a maturidade que a brincadeira está exigindo. São crianças que explicitam: “olha, eu não quero crescer”. Esse tipo de situação que eu coloquei aqui é a base da estruturação dos comportamentos futuros. Ou se estabelece bem esse processo nos primeiros três anos de vida (para o comportamento é a fase mais importante do desenvolvimento, pois é básica, é a época em que você faz bem o alicerce para depois poder levantar as paredes e colocar o telhado) ou é certeza de problema. A maioria das crianças não tem dificuldade atencional, pois para as atividades que lhes interessam elas tem boa atenção.
SMPV: Ok, os pais percebem que o problema do filho é comportamental e não neurológico. O que fazer, então?
Eu sempre digo aos pais que eles devem se cuidar, tratar primeiramente deles, pois o problema é estrutural, da família. Embora na essência humana nós sejamos iguais há dezenas de séculos, o ambiente foi se modificando e afetou a vivência das relações. Mas como orientar o pai e a mãe? É um trabalho árduo, como chegar numa população inteira? Acho que essa é uma busca de estratégia muito trabalhosa. Eu fiz um amplo trabalho como coordenador na Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, foi muito tempo lá criando estratégias para atingir o maior número de pessoas, até hoje a fundação segue com esse projeto. Nas maiores cidades do país o Governo do Estado e a Prefeitura disponibilizam ações para promover a informação e o direcionamento.