Era pouco mais de 8h30 da manhã. O elevador estava lotado, parando de andar em andar para abrigar crianças e pais afobados. Todos estavam vestidos para o frio lá de fora e os casacos, gorros e luvas tornavam o ambiente apertado ainda mais sufocante. Após o décimo primeiro andar o elevador, finalmente, seguiu seu caminho até o térreo. Todos respiraram aliviados.
Saí do prédio apressada, carregando as mochilas e um filho de cada lado (como são pesadas essas mochilas!). Um pouco mais à frente, vi uma mulher e seu filho parados, enquanto várias pessoas passavam por eles. Reconheci que eles também estavam no elevador apertado. Me lembrei que o menino – que tinha por volta de 9 anos – estava em um cantinho, cabisbaixo, quase escondido no capuz de seu casaco. Agora, do lado de fora, parecia ainda mais frágil, abraçando a mãe com força, com a cabeça afundada em seu colo, chorando como se fosse um pequeno bebê.
Imóveis na calçada, mãe e filho compunham uma cena atípica já que, pelo adiantado da hora, todos caminhavam rapidamente em direção a escola, há poucos metros dali. Vi que o pai andava na frente e demorou para ver que não estava sendo acompanhado pela esposa e pelo filho. Até que percebeu e voltou alguns passos para ver o que estava acontecendo.
Me distraí da cena atravessando a rua em direção a calçada que dá acesso a escola. Nesse intervalo, me deparei novamente com a mãe, agora ao meu lado, exclamado desolada para o marido:
“Eu não sei mais o que fazer com ele. Está cada vez pior.”
Pelo que pude entender, logo após atravessar a rua, o menino correu sozinho para o portão da escola, deixando os pais, atônitos, para trás. Por alguns segundos, os vi parados diante do portão da escola, procurando o filho, parecendo não compreender. Até que a mãe se afastou, apenas dizendo:
“Tenho que ir ao supermercado.”
Ainda vi o pai no pátio da escola, numa tentativa de encontrar o garoto, saber o que o fez chorar e depois correr sem avisar. Mas logo o perdi de vista e não sei dizer o que mais aconteceu.
Essa cena ocorreu hoje de manhã e, até agora, já tarde da noite, não consegui tirá-la da minha cabeça. Eu não conheço essa mulher, nem seu assustado filho que, da vontade de se aninhar no colo da mãe, partiu correndo sem se despedir. Apenas fiquei tocada com o sofrimento que vi. Fiquei tocada porque ali, naquela cena, aquela mãe poderia ser eu.
Tive vontade de ir falar com ela, perguntar se estava bem. Como não foi possível, resolvi escrever essa carta imaginária para ela e compartilhar aqui com vocês.
Querida mãe e vizinha que eu não conheço,
Eu fiquei com meu coração apertado de ver seu filho chorando hoje de manhã no caminho para escola. Esse seu filho que, apesar de já ser crescido, ainda precisa dos teus abraços e do teu calor. Como é difícil não saber, não é mesmo? Não saber o que fazer, não saber o que dizer, não saber como ajudar. Eu, como mãe, já me vi tantas vezes assim! Agora, meus filhos já estão adaptados na nova escola. Mas o começo foi muito difícil! Se despediam de mim um tanto contidos, hesitantes, um pouco confusos entre o dever de ir e o desejo de ficar. Lembro-me o quanto era difícil para mim não poder protegê-los daquele medo de começar e enfrentar o novo. Na tentativa de transmitir a eles uma certa confiança, eu partia decidida após o último adeus, mesmo que lágrimas escorressem de meu rosto na volta para casa ou pelos corredores do supermercado.
Muito provavelmente, tudo vai ficar bem com o seu menino. Mas vê-lo sofrer dói, não é verdade? Eu não te conheço e estou fazendo inferências aleatórias sobre um possível problema que você está passando. Mas a cena que presenciei me deixou inquieta, desconfortável.
Há muito que venho pensando sobre as mães daquelas crianças que enfrentam dificuldades na escola. Aquelas que batem nos amigos, que mordem, que brigam, que choram demais, que desafiam a professora, que fazem travessuras ou que, de alguma forma, subvertem a ordem estabelecida. Ainda mais nos dias de hoje onde os primeiros a ser responsabilizados são os pais. Não vejo a escola, a professora, o método, o ambiente serem questionados quando uma criança não parece bem. O problema está com a criança e com a família dela. Sempre!
Agora sou uma dessas mães e confesso que tenho que respirar fundo toda vez que ouço a professora, contrariada, me dizer o quanto o meu filho tem uma personalidade forte e insubordinada! Já chorei muito, já fiquei com raiva. Mas há que se seguir em frente não é mesmo?Todos os dias me pergunto qual a melhor forma de ajudá-lo. E sigo nesse caminho desconhecido tentando e tentando, apesar de não saber, por vezes, o melhor a fazer.
Se pudesse, gostaria de te desejar uma boa dose de sorte e muita paciência neste momento. E gostaria de pedir para você não se culpar. O mundo de hoje é um mundo difícil e esquisito de se viver para adultos e também para meninos de 9 anos. Ou seja lá qual for a idade que seu filhinho tenha. E ser pai e mãe dentro de tudo isso é um desafio e tanto.
E não se sinta sozinha em seu caminho. Como você pode ver, essa carta eu não escrevi só para você. Escrevi também para mim e para outras tantas mães que estiveram no seu lugar e estarão todos os dias, tentando entender qual a melhor forma de lidar com essa montanha russa sem fim que embarcamos quando nos tornamos mães de alguém…
Com carinho,
Outra mãe
* Isabel Coutinho é psicóloga, mãe de 2 filhos e autora do livro MÃE EM CONSTRUÇÃO – reflexões, angústias, desafios (Dash Editora), à venda nas principais livrarias e na loja Somos Mães de Primeira Viagem. Isabel mora atualmente em Nova Iorque.
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