Lembro-me do primeiro dia que saímos juntos depois que nossa filha veio para casa. No intervalo de uma das mamadas, fomos a um café perto da nossa casa, aquele que costumávamos frequentar nas manhãs de domingo, onde o café da manhã era longo e facilmente se confundia com o almoço. A caminhada de cinco minutos, demorou vinte. Eu andava devagar, ainda com muita dor no corte da cesárea. Ele me apoiava paciente, respeitando o meu ritmo. Ele pediu um café e eu, chá. Não lembro sobre o que conversamos ou o tempo que ficamos ali. Mas me dou conta hoje, anos depois, que aquele foi um novo primeiro encontro para nós. Totalmente diferente daquele que tínhamos tido anos atrás, regado a vinho e risadas em um restaurante da moda. Pai e mãe ali, recém-nascidos, brindando com café e chá a nova vida que, sem saber, estávamos ali recomeçando juntos.
***
Depois que tive filhos, o Dia dos Namorados – comemorado no Brasil no dia 12 de junho – perdeu muito do seu significado para mim. Já cheguei a escrever algumas vezes sobre essa data que antes me parecia tão importante, mas agora só costumo me lembrar dela quando pego meu celular de manhã e vejo escrito: Segunda-feira, 12 de junho.
“Puxa, hoje é Dia dos Namorados”, pensei rapidamente na semana passada quando o despertador – que é o celular – tocou às 6h40 da manhã e eu me dei conta da data. Não lembrei mais dela o resto de dia, a não ser quando fui navegar no Instagram, já de noite, e me deparei com lindas fotos e frases apaixonadas postadas pelos casais e me perguntei, nostálgica, se não devia ter postado algo também.
Fui dormir me questionando se eu não deveria lutar com mais vontade dentro de mim para essa data permanecer importante e viva, um momento para celebrar a relação e dedicar um carinho especial ao meu companheiro. Mas o cansaço me venceu e adormeci sem sequer falar um “eu te amo”.
Nos dias que se seguiram, fiquei pensando sobre o assunto e me dei conta de que, apesar da data que se celebra o amor dos casais ter pedido a importância para mim depois da vinda dos filhos, a questão de como fica a relação do casal com a chegada de uma criança não perdeu. Pelo contrário, continua viva na minha cabeça, me desafiando todos os dias, desde que minha primeira filha nasceu.
A chegada dos meus filhos foi uma variável que acrescentou uma grande complexidade na minha relação com meu marido. É claro que é de se esperar que uma relação ganhe complexidade à medida que vai se tornando séria e passa a envolver outros fatores que não só o relacionamento amoroso. Dividir uma casa, administrar o dinheiro, manejar expectativas, compartilhar sonhos e problemas, conviver com manias são, para citar apenas algumas, questões difíceis de ser manejadas quando duas pessoas decidem compartilhar a vida. Não gosto nem de lembrar, por exemplo, os primeiros meses que dividi o mesmo teto com meu marido. Brigamos como nunca! Demorei muito tempo para me acostumar a dividir meu espaço e as pequenas coisas da vida diária com ele – há sete anos eu morava sozinha tendo que, no máximo, coordenar minhas vontades com as da minha pequena cachorrinha. Mas nada disso se comparou ao que vivemos depois que nossa filha nasceu…
De repente, não só eu tinha virado mãe – o que já é uma mudança suficiente grande para se processar – mas ele também tinha virado pai. E eu nunca tinha, até então, visto ele neste papel! Além de ter que conhecer minha filha e me reconhecer no papel de mãe, eu tinha que me conectar com mais essa novidade: meu companheiro sendo pai, pela primeira vez. E o mesmo aconteceu com ele. Ele não se conhecia como pai e também não me conhecia como mãe. E não podia imaginar o caos que eu me tornaria após ter dado à luz.
Entre as dores do corte, as noites mal dormidas, as dificuldades com a amamentação e o vislumbre de uma vida que jamais seria a mesma, eu me perdi. Me perdi de mim, me perdi dele, de quem eu era, de quem nós éramos. Passei meses caminhando numa espécie de névoa onde as sensações boas de estar com minha filha saudável nos braços se misturavam com o caos, com a dor, com o medo, com o cansaço e eu mal podia distinguir aquilo que eu, na verdade, sentia.
Foi um longo caminho que tive que percorrer até sentir que a névoa foi rareando e os sentimentos foram se tornando mais reconhecíveis, menos difusos e me dar conta de que junto com os nossos filhos nasceu uma nova história, um outro namoro que, como aquele que nos motivou a ficar juntos, necessitou de tempo, paciência, compreensão e muito diálogo para se constituir. Por sorte, ele teve isso de sobra (muito mais do que eu!) e, aos poucos, os brindes com vinho voltaram a fazer parte da nossa rotina e conseguimos nos reencontrar – eu e ele –
Aos que aqui me leem, desejo que o Dias dos namorados / companheiros / casados desse ano tenha sido mais animado e agitado do que o meu. Tão bom sair, bebericar e brindar o amor, não é verdade? Mas desejo também que, se, por acaso, isso não tenha acontecido, não se sintam tristes. Às vezes, os mais importantes encontros (ou reencontros) são mais singelos e bem menos glamorosos do que nossa cabeça costuma imaginar. Às vezes, eles demoram mais que gostaríamos para acontecer. Outras, eles não acontecem ou acontecem sem que sequer notemos. Eu jamais pensaria em um primeiro encontro com menos charme do que aquele que tivemos, já casados, aquele dia no café ao lado da nossa casa! Eu, bem acima do meu peso, com dificuldades para andar, vestindo calça de moletom e tênis, com dor, bebendo chá e bocejando.
Se relacionar é algo complexo, não existe regra, não existe caminho. Demanda paciência, humildade, desprendimento e um tanto de resignação. Ainda mais depois dos filhos. Lembrando sempre que escrevo isso para vocês, mas, principalmente, escrevo isso para mim. Já aprendi que a rotina e o cansaço de uma mãe com filhos pequenos turvam a minha visão e me fazem esquecer facilmente de todas essas coisas…
* Isabel Coutinho é psicóloga, mãe de 2 filhos e autora do livro MÃE EM CONSTRUÇÃO – reflexões, angústias, desafios (Dash Editora), à venda na loja Somos Mães de Primeira Viagem. Isabel mora atualmente em Nova Iorque.