Principais dificuldades citadas pelos cuidadores no estudo são: dificuldades financeiras para arcar com os custos do tratamento (73%) e encontrar tempo para descanso e para cuidar de si mesmo (68%)
O autismo é um dos temas mais discutidos atualmente, sobretudo pelo vertiginoso aumento nos diagnósticos, tanto precoces quanto tardios – inclusive em celebridades e personalidades – que fazem a discussão sobre o tema virar pauta na grande imprensa e ser amplificada para milhões de pessoas.
No entanto, o Brasil encontra uma profunda ausência de informações e dados atualizados sobre a condição. Para se ter uma ideia, um dos últimos dados de que se tem notícia é de 2010, e vem de um estudo da OMS (Organização Mundial da Saúde) que cita que o Brasil teria, naquele momento, aproximadamente 2 milhões de pessoas com autismo.
Com o objetivo de preencher essa lacuna e trazer um cenário completo sobre o autismo no Brasil, a healthtech Genial Care, maior rede de saúde atípica da América Latina, realizou o estudo “Retratos do Autismo no Brasil em 2023” em parceria com a Tismoo.me. Respondido por mais de 2 mil pessoas autistas ou cuidadoras de pessoas autistas, o estudo, com dados quantitativos e qualitativos sobre o cenário do autismo no Brasil, traz dados relevantes para famílias, operadoras e profissionais de saúde, professores e escolas.
“É crucial destacar que o aumento no diagnóstico de pessoas com autismo se deve, em grande parte, aos avanços da ciência, que tem se dedicado ao estudo e à compreensão desse transtorno. Além disso, graças aos progressos científicos, informações relacionadas ao Transtorno do Espectro Autista (TEA) tornaram-se mais acessíveis”, destaca o fundador e CEO da Genial Care, Kenny Laplante.
Insegurança e futuro da criança com autismo
O relatório revela que a grande maioria dos cuidadores está profundamente preocupada com o futuro a longo prazo da criança com autismo (79%). “Essa preocupação ultrapassa barreiras geográficas, etárias e de renda. Em um país tão grande e diverso como o Brasil, a preocupação onipresente com o futuro exige uma análise mais profunda”, ressalta o fundador e CEO da Genial Care, Kenny Laplante.
“Minha experiência clínica sempre foi atravessada pelo discurso do medo que os cuidadores têm sobre o futuro das crianças autistas, tanto em famílias com pouco recurso financeiro quanto em famílias que tinham e têm recursos para viabilizar os tratamentos. Esse é o medo dos pais em geral, mas no caso das famílias com autismo há a questão do acesso aos serviços. Que tipo de acesso é possível obter? Esse acesso vai ajudar o meu filho na vida cotidiana ou não? Meu filho vai crescer, onde eu vivo há serviços para quando ele crescer também? É uma reflexão que precisamos fazer em relação às nossas diversas realidades e sobre as possibilidades de acesso a serviços de qualidade que vão, de fato, colaborar com o apoio à independência e autonomia desses indivíduos com autismo” reforçou a diretora clínica Mariana Tonetto, durante o evento de lançamento do estudo.
As outras duas principais dificuldades citadas pelos cuidadores no estudo são: dificuldades financeiras para arcar com os custos do tratamento (73%) e encontrar tempo para descanso e para cuidar de si mesmo (68%).
“Os sistemas de saúde e educação precisam alinhar-se para capacitar pessoas com autismo, em vez de focar em “cura” ou “doença”. Atualmente, práticas como terapias intensivas e salas de aula separadas não promovem a autonomia desejada. Essa abordagem, bem-intencionada, muitas vezes cria uma percepção negativa do autismo. Ao mesmo tempo, a sociedade deve garantir um suporte inclusivo que celebre as diferenças e permita que todos alcancem seu potencial máximo”, destaca Kenny.
Em comparação com dados apresentados no estudo anterior da Genial Care, “Cuidando de quem cuida”, as dificuldades dos cuidadores ainda permanecem praticamente as mesmas. A incerteza sobre o futuro a longo prazo das crianças autistas passa por diversos aspectos, como o desenvolvimento da criança, inclusão, como lidar com comportamentos desafiadores, apoio emocional, entre outros. Por isso, intervenções multidisciplinares e orientação parental são fundamentais neste aspecto. Além disso, o setor de saúde deve ser ativo, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida de crianças autistas e suas famílias.
Cuidadores e o tempo para descanso
“Retratos do Autismo no Brasil 2023” traz importantes dados atualizados sobre prioridades no desenvolvimento da criança, habilidades identificadas pelas pessoas cuidadoras, saúde física e mental das pessoas autistas, sensação de culpa entre pessoas cuidadoras e a dificuldade que os cuidadores enfrentam em encontrar tempo para descanso, entre outros.
Embora 63% dos respondentes tenham afirmado receber apoio para cuidar da criança e 62% terem respondido positivamente para a pergunta sobre receber apoio para lidar com os desafios do autismo, ainda existe uma dificuldade acentuada (independentemente do estado civil, renda mensal e nível de escolaridade) para descansar e cuidar de si mesmos.
Pessoas autistas
Das pessoas respondentes, 65% se identifica como gênero feminino, maioria com faixa etária entre 25 e 34 anos (33%). Outro dado relevante é que, dentro da amostra de pessoas autistas, 24,2% são, também, pessoas cuidadoras, o que significa que estão no espectro e também são responsáveis por uma criança com o diagnóstico.
Sobre as condições de saúde mental e física e do dia a dia das pessoas autistas, 49% afirmam que possuem alguma doença crônica ou secundária que foi identificada junto ao diagnóstico de TEA, e 50% afirmam não ter acesso a recursos e suportes adequados para as suas necessidades autistas.
Segundo a literatura científica, a saúde da pessoa autista é mais vulnerável que a população em geral, sobretudo em doenças comuns como questões gastrointestinais (16%), doenças respiratórias (10%), e obesidade (6%), que aparecem nessa ordem entre as mais prevalentes em autistas.
Outro aspecto importante da pesquisa é a respeito do suicídio entre pessoas autistas. “Pesquisas científicas apontam para um número 8 vezes maior na tentativa de suicídio feita por autistas em relação à população em geral. E nesta nossa pesquisa, o número foi alarmante: 7,26% dos autistas alegaram que já atentaram contra a própria vida. Quando perguntado se um familiar já tentou suicídio, o número é ainda maior: de 17,29%. É, sem dúvida, uma questão de saúde pública, que deve ser tratada por governos e sociedade com atenção e urgência!”, argumenta Francisco Paiva, que está treinando uma inteligência artificial da Tismoo.me para reconhecer ideação suicida em pessoas autistas.
O levantamento oferece uma visão esclarecedora sobre diversos pontos da realidade das pessoas autistas e suas famílias no país. Ele não apenas fornece dados valiosos, mas também destaca a necessidade de uma abordagem ampla e inclusiva para apoiar a comunidade autista no Brasil.