O ano escolar acabou de começar por aqui. Depois de longas férias de verão – as férias do meio do ano vão do final de junho a início de setembro – onde os horários são mais flexíveis, os cafés da manhã mais demorados e as brincadeiras liberadas o dia todo, parece que demora um certo tempo para que todos se adaptem novamente à rotina de horários, lições de casa e obrigações.
Nesse ano, todos aqui em casa parecem ter sentido ainda mais essa mudança, tendo em vista que meu filho começou na escola nova (escola de menino grande!) e minha filha mais velha se viu em uma classe diferente dos amigos preferidos que conseguiu fazer em seu primeiro ano de escola aqui.
De maneira geral, os dias iniciais de volta à rotina até que correram bem, para meu imenso alívio. Nada de choros pela manhã ou despedidas a contragosto. Ambos seguiram firmes em fila acompanhando a professora e os demais coleguinhas sem demonstrar maiores desconfortos ou aflições. Mas, observando meus filhos mais atentamente nesses dias de retorno, tenho percebido uma série de pequenos sinais que parecem mostrar que algo ali está acontecendo para além daquilo que eu posso ver. Algo que incomoda, desestabiliza e amedronta suas pequenas cabecinhas. Parece que tudo o que, aparentemente, está sendo mostrado “sob controle”, na verdade, está sendo vivenciado por eles com a intensidade de um furacão.
Às vezes, percebo que o incômodo vira um desconforto físico que eles mal conseguem identificar:
“Mamãe eu acho que estou um pouco doente, minha voz não tá saindo, acho que eu não posso ir para escola hoje”.
“Minha barriga está doendo, mamãe”
“A barriga, filha? Mas você disse que era a garganta!”
“Não, mamãe, na verdade, é a garganta. A cabeça e a garganta”
Em outras, o incômodo escolhe formas mais barulhentas de se manifestar e sai através de choros e soluços.
O que mais me chama a atenção, no entanto, não é o fato deles chorarem, soluçarem ou terem ataques de raiva (crianças fazem essas coisas!) mas a forma repentina como esses acontecimentos de desencadeiam, me deixando perplexa tentando entender a razão de uma mudança tão abrupta.
Na hora da saída, por exemplo, frequentemente observo meu filho através do portão e ele está alegre, brincando com os amigos. Na hora de se despedir da professora e vir comigo, porém, ele muda rapidamente o semblante e fica irritadiço e choroso. Perdi as contas dos dias que o vi alegre em um minuto e, no outro, aos prantos ou esperneando diante de mim no chão da escola!
Minha filha, apesar de maiorzinha, também tem tido explosões de choro repentinas que, apesar de serem desencadeadas por pequenas coisas – o cabelo da boneca que está desarrumado, o desenho que não saiu como ela queria ou a meia incomodando dentro do sapato – fazem seu peito sacudir em soluços por um bom tempo.
Diante desses acontecimentos abruptos, confesso que não sei como agir. Em segundos, minha cabeça rodopia acelerada tentando encontrar algo adequado a fazer ou dizer. Como um antivírus que varre um computador procurando o que nele não funciona bem, tento vasculhar dentro do meu repertório o que poderia ajudar (a mim e a eles) naquele momento. Não sei se devo conversar, ter paciência, dar carinho, repreender, ignorar, ficar brava ou simplesmente esperar passar. Dependendo também de como anda minha disposição, faço um misto de todas essas coisas e acabo ficando com uma amarga sensação de que meus filhos, percebendo minha confusão, ficam ainda mais desestabilizados.
Filhos meus, quando vocês explodem abruptamente cheios de uma razão que eu aqui, na minha limitação, desconheço, não sei muito bem o que fazer. Tento medir as palavras, confortar, propor atividades, abraçar. Tento ensinar a vocês a tal da respiração da meditação, que mal consigo fazer, mas que dizem por aí ser muito bom. Esses dias até comprei um óleo com aroma clamante, que promete tranquilizar quando esfregado com carinho na sola dos pés. Quando nada disso dá certo, tento ser dura, colocar limite, grito “chega”, fico nervosa! E vocês acabam soluçando ainda mais alto, como se meu grito despertasse ainda mais angústia no pequeno coração de vocês.
Passei anos me dedicando a estudar o quão complexa é a condição humana, com suas nuances, pontos obscuros e dores que não se traduzem facilmente em palavras. Mas nada do que eu estudei, li e pesquisei parece eficiente para me livrar desse desconforto que é assistir vocês em suas peles de humanos, lutando para driblar os desafios das mudanças, dos sentimentos por vezes desconexos, da realidade que vive confrontando o desejo.
É filhos, tenho que confessar que sua mãe aqui não é lá muito boa em improvisar. Prefiro as situações onde posso me preparar, ensaiar, pensar com antecedência nas estratégias a seguir. Mas a vida de mãe tem pedido que eu atue sem ensaios, que eu me apresente sem saber de antemão o script. E aí eu me atrapalho, me confundo, desando e acabo não conseguindo ajudar vocês.
A única coisa que eu queria que vocês soubessem, filhos é que, apesar da minha confusão e falta de habilidade, eu sou persistente. E vocês são razão suficiente para eu nunca desistir. Posso não saber o que fazer, mas sei de algo maior: estarei sempre perto, insistindo, não importa o que aconteça, desejando que o fato de aqui estar possa, em si, ser suficiente para ser o apoio que vocês precisam para enfrentar todo esse turbilhão que é crescer.
Penso que na vida mais importante do que saber como agir é não desistir de tentar. E, nessas tentativas, quem sabe, aprender que o saber não passa de uma grande ilusão (ainda que necessária) para lidarmos com o imponderável que é o viver…
PS: Enquanto terminava a última revisão desse texto, minha filha me rodeou várias vezes, falando que não estava se sentindo muito bem. Veio e voltou algumas vezes até que falou de forma tão clara que eu não pude deixar de ouvir: “mamãe, eu só consigo me sentir bem quando tem um adulto bem pertinho de mim”. Me levantei então do computador e fui ficar ao lado dela, que adormeceu rapidamente segurando minha mão. Antes de fechar os olhos, no entanto, me disse que não sabia explicar porque tava querendo ficar pertinho. “Filha, a gente não precisa explicar tudo aquilo que a gente sente”. Falei sem pensar, mas confesso aqui para vocês, que foi algo bom de ouvir. Quem disse mesmo que temos que entender tudo, não é mesmo? E pensei que tenho que ser mais humilde e simplesmente aceitar que há coisas maiores que minha capacidade de explicação.